Entrevista: Antonio Carlos Mingrone na Lume Arquitetura
Por Erlei Gobi, da revista LUME ARQUITETURA*
Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, mestre e doutor pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da mesma Universidade, Antonio Carlos Mingrone é um dos profissionais mais reconhecidos e de maior atuação do mercado brasileiro de iluminação. Com mais de 40 anos de experiência, lecionou a disciplina de iluminação por 38 anos; comandou o programa de urbanização de favelas da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo); foi superintendente de planejamento da CDH (Companhia de Desenvolvimento Habitacional) e superintendente de projetos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano); trabalhos que o levaram a ter domínio de todas as etapas e processos de um projeto.
Ao completar 25 anos como titular do escritório Mingrone Iluminação, um dos mais importantes, famosos e respeitados do País e com quase quatro mil projetos realizados, Antonio Carlos Mingrone fala com exclusividade para a Lume Arquitetura sobre sua trajetória profissional; a evolução dos produtos e da cultura de iluminação no mercado brasileiro; os projetos mais importantes de sua carreira; a Associação a qual ajudou a criar, além de dar dicas aos jovens interessados em se tornar profissionais de excelência.
Com mais de 40 anos de experiência, como vê a evolução do setor de iluminação no Brasil neste período?
Percebi ao longo destes anos, desde que comecei a lecionar na FAU/USP, em 1977, que realmente houve uma evolução muito grande, tanto na fabricação de luminárias como nas fontes de luz. O crescimento da indústria nacional foi significativo e, mais especificamente nos últimos anos, notei empresas de pequeno porte apoiadas em ótima tecnologia no desenvolvimento de produtos. Vejo com muito bons olhos a presença de fabricantes internacionais aqui sediados, principalmente empresas portuguesas, que mantêm seu parque efetivo de produção no Brasil, importando componentes e trazendo moldes.
Nos últimos anos, temos tido surpresas muito grandes. Nas décadas de 80 e 90, algumas empresas despontavam com algum interesse em desenvolver produtos, primeiro sob o aspecto estético, depois somaram mais tecnologia, voltaram-se para a revelação de desempenhos das luminárias do ponto de vista laboratorial, apresentando características fotométricas mais precisas para que, com o avanço dos softwares de cálculo, pudesse haver um domínio mais ampliado da aplicação das luminárias e a constatação exata dos resultados.
Por um dado período, tivemos os olhos muito atentos para os produtos importados. Por conta da flutuação do câmbio, houve alguns projetos inteiros desenvolvidos com produtos importados da maior qualidade. Na BM&F, o primeiro prédio de escritórios em altura no centro de São Paulo, utilizamos até luminárias da Martini folheadas a ouro 24 quilates na sala que comercializava ouro.
Acredito que o LED tende a democratizar o processo de produção. Vejo sua utilização espelhada por analogia com a Fórmula 1, na qual os motores são fornecidos por duas ou três grandes empresas e o carro é desenvolvido por até dez escuderias que, muitas vezes, representam empresas que produzem e comercializam veículos. O LED tem um pouco disso, ou seja, você absorve a fonte de luz, dimensiona o dissipador, idealiza o refletor, a lente colimadora, e desenvolve um aparelho que sustente toda essa fonte de luz e dê respostas funcionais, estéticas, mecânicas e elétricas ao produto.
Acha que algo pode ser melhorado no setor?
Faço um apelo ao governo para que abra o mercado do Brasil. O que há de tecnologia no mundo precisa estar à disposição da população. Existem essas questões de barreiras alfandegárias e de taxas extremadas, que não levam a progresso algum. Essa história de proteger uma ou outra indústria não funciona. O mercado precisa ser global hoje, não tem mais como esconder o mundo para as pessoas. Quem pode pagar um pouco mais, paga, mas não pode custar dez vezes mais do que na matriz de origem.
Tenho outra crítica que se faz merecer aos longos dos anos: temos uma norma de luminárias (tradução da norma internacional da IEC) que entra morta no Brasil com o argumento de que o Inmetro não tem condição de fiscalizar, ou seja, vende-se o que se quer. Temos a norma há mais de 10 anos editada no Brasil e que não é fiscalizada. Como fica o consumidor? Que cuidados nós temos?
E do ponto de vista dos projetos de iluminação? Houve uma conscientização de sua importância?
Acho que esse convencimento vem crescendo e já é patente hoje. Qualquer shopping center, rede de supermercados, drogaria, farmácia, já consegue perceber que um projeto de uma disciplina independe da de instalações elétricas e da arquitetura, enquanto realização, e não conjugação e coordenação de ação, faz merecer um tratamento especializado. Houve um grande salto, não só no empreendimento comercial, tido como de serviços, mas nos corporativos e residenciais. Essa evolução foi espetacular. Tínhamos alguns escritórios pioneiros no tema e na realização dos primeiros trabalhos nesta linha, que impulsionaram todo um avanço de profissionais na área, e diria que é espantoso o número de escritórios de iluminação que o Brasil possui hoje. Temos uma posição honrosa, com profissionais de talento, premiados e com trabalhos de envergadura internacional.
Vejo ainda que há um trabalho de conquista grande a merecer um melhor entendimento de quem vai aplicar o projeto de iluminação. Aí vem a ligação entre a fidelidade do projeto e a sua famigerada similaridade quando a obra tenta empreender isso dentro de seu orçamento sem consultar o profissional por achar que comprou um produto que dará o mesmo resultado. Ressinto-me disso e incomoda-me muito o colega profissional formado que comanda a obra, o engenheiro civil ou elétrico, fazer esta transformação sem muito respeito para com o autor do projeto.
Há de haver mais diálogo no caso de projeto e obra, até na própria explicação do projeto à obra, enquanto equipe que irá implantá-lo. Vejo que até em grandes instaladoras há deficiências grandes na leitura do documental que prescreve os detalhamentos do projeto. Porém, no todo, acho que o Brasil progrediu muito nesta questão. Hoje, de todos os rincões se solicitam projetos.
O escritório Mingrone Iluminação completa 25 anos em 2018 e é um dos mais famosos e requisitados do País. Qual o segredo de tanto sucesso?
São três os segredos: trabalho, pesquisa e aprimoramento técnico constante. A pesquisa por si só pode invocar várias naturezas, como ir a uma feira realizar trabalho de prospecção a nível de pesquisa ou pesquisar uma tese ou revista, mas o aprimoramento profissional é a constância com que isso deve se dar. Fui à Light+Building e, antes, olhei o catálogo de praticamente todos os fabricantes: poloneses, gregos, austríacos, belgas, sem falar nos italianos e alemães, as grandes vedetes da feira. Descobri um monte de coisas interessantes. Entrei no site da feira, em cada país, vi os fabricantes, entrei em seus sites, baixei seus catálogos e vi as novidades. Esse é um trabalho árduo, pesado, de horas no tablet.
Quais os projetos mais importantes e desafiadores dentre os quase quatro mil já realizados?
Foram vários, em momentos históricos diferentes. Um dos primeiros e que serviu como vanguarda conceitual foi a Casa Santa Luzia, lá pelos anos de 1975, quando a ideia foi, pela primeira vez, zonear todo o espaço de vendas destinado a comercialização de alimentos pela luz, ou seja, cada área de venda teria um contexto totalmente diferenciado.
Houve um desenvolver muito grande na cultura de um setor que sequer pensava na época em projetos de iluminação. Em um momento inicial, o projeto se fez acompanhar de todas as soluções mockup, porque, afinal, os proprietários iam acreditar em nós com que antecedentes? Então tudo foi simulado, mesmo que de forma simples, para mostrar aos diretores.
Em 2000, o MASP começou a sofrer uma primeira intervenção de reforma e nesse momento realizamos uma obra que, no meu entender, foi marcante para o escritório porque desenhamos os aparelhos, criamos um efeito fantástico de iluminação indireta e introduzimos no mesmo sistema toda a iluminação de destaque projetual dimerizável individualmente. Usamos, pela primeira vez no Brasil, o recurso da lâmpada fluorescente com IRC 95.
Lembro ainda que, no mesmo MASP, em 2004, reviveram-se os famosos expositores cavaletes, com base de concreto e vidro, da maravilhosa Lina Bo Bardi, quando se criou a exposição “As 100 maravilhas”. Também constituímos uma solução com a utilização de produtos nacionais que pudessem requadrar as obras sem, contudo, criar reflexos na superfície de vidro. A obra ficava exposta em verdadeira realidade, tanto em reprodução de cor quanto em nível de iluminação requerido, sem que o vidro se tornasse um espelho.
O terceiro grande marco começou há uns 20 anos, quando iniciamos o trabalho de iluminação do complexo do Santuário de Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Ali, fomos incumbidos de realizar todos os trabalhos invocando desde a Antiga Basílica, passando pela Nova Basílica, aos entornos que compõem o Santuário, culminando com o hotel que a própria igreja edificou e administra. Esse foi um trabalho belíssimo. Introduzimos pela primeira vez, numa Basílica, um programa de automação de cenas.
Dois projetos também são muito interessantes ainda dentro deste cenário sacro. Um deles, foi à época da vinda do Papa Bento XVI a São Paulo, quando fizemos uma grande reforma na Basílica Nossa Senhora da Assunção e no Mosteiro de São Bento. Uns seis anos depois, um grande doador benemérito empreendeu e fizemos uma atualização tecnológica, revertendo todo o projeto para LED de altíssimo nível e com programação de cenas, como na Basílica de Aparecida. Estaremos concluindo este trabalho provavelmente até o meio de 2018. Mais recentemente, encomendaram-nos a iluminação da Catedral da Sé, o segundo ponto mais visitado de São Paulo. Estamos com o projeto praticamente pronto, tanto que o interior da Catedral já está em obras.
Num segundo momento, viemos a empreender as novas estações do Metrô de São Paulo, que começa na Linha 3 – Verde. Revolucionamos todos os padrões que o Metrô utilizava até então, embora dentro da família das fontes de luz convencionais, e introduzimos compactas de alto desempenho, multivapores metálicas miniatura… Foi uma realização profissional convencê-los de que tudo isso podia ser feito. Os trabalhos eram volumosos, com memórias de cálculos de 500 páginas para cada estação; desenhos aprimorados e enorme zelo na integração.
Mais recentemente, o Maracanã foi um auspicioso trabalho que veio para as nossas mãos e que sonhávamos conquistar na fase da Copa do Mundo. Foi um enorme desafio porque logramos executá-lo em nível de LEED e ficamos 22% abaixo das suas exigências. Quando o Galvão Bueno fez a primeira transmissão na Copa das Confederações elogiando a iluminação foi glorioso.
Um ponto marcante deste projeto é que quase 70% dos produtos que especificamos foram da Philips e a empresa, um pouco antes da Copa das Confederações, fechou um camarote no estádio para uma coletiva de imprensa e me colocou para falar com um grupo seleto de jornalistas, inclusive com a minha imagem aparecendo nos telões. Depois, houve um coquetel e uma visita guiada por todo o estádio. Esta ação tem um valor imenso, profissionalmente, para mim, e fica na nossa história como lembrança de coração. Depois fizemos também o Allianz Parque, um dos estádios mais belos do País.
Outro marco importante, até porque concorremos no concurso da KNX, na Light+Building de 2016, e ficamos em segundo lugar, é o edifício sede da Localiza. Este é um trabalho LEED Gold, todo automatizado e em protocolo Dali de extrema envergadura. Temos um projeto – que também é do coração, porque é difícil de aparecer: o haras Saara, do próprio dono da Localiza, feito em colaboração com o arquiteto Luiz Carlos Orsini.
Outro trabalho que me marcou profundamente, do ponto de vista pessoal, foi o que fizemos com o Ugo di Pace: o livro “Uma Casa Como Eu”. Olhando a obra, o professor e um dos maiores historiadores da arte, Luiz Marques, fez o maior elogio que já recebi até hoje. Também preciso citar o projeto do shopping JK Iguatemi, pois foi a primeira vez que recebi elogios dos próprios colegas lighting designers – não que eles não sejam gentis, pelo contrário.
Hoje, os que tocam o coração, são os projetos da Rede D’or. Já fizemos a primeira clínica, e agora estamos empreendendo mais dois hospitais [São Paulo e Brasília], onde as inovações estão muito presentes e de forma inédita no Brasil. Teremos quartos onde a luz simulará o comportamento do circadiano humano associado à revelação da temperatura de cor que a luz natural tem no exterior para que o paciente tenha um estímulo em seu estado de ânimo e em sua recuperação.
Já ia me esquecendo do Parlamento Latino-americano, esse não posso deixar de citar, porque começa como um sonho. Em um sábado de manhã, liga o Niemeyer dizendo para eu ir para o Rio de Janeiro porque ele estava montando a equipe para o trabalho. Pego o avião e vou correndo. Chegando lá, ele abre o projeto no chão de seu escritório em Copacabana e começamos a desenvolver o projeto.
Ao final deste período, ele vai empreender a obra do teatro do Ibirapuera, que não é esta construída, fique sabendo. Este teatro que lá está é o do Plano Diretor de 1954, o desejo dele era construir o projeto que tivemos a honra de participar, mas que os recursos dos patrocinadores não sustentaram. Nesse sofisticado projeto, havia uma calota como a Oca, que se abriria totalmente, palco e plateia, e manteria todo o público à luz das estrelas. Para minha honra, ele me chama para coordenar o trabalho. Ele sempre me tratou como um príncipe e não me esqueço disso até hoje.
Você já desenvolveu projetos de todos os tipos. Como é transitar por áreas tão distintas?
Minha jornada é muito maior do que só na iluminação. Fui o primeiro profissional a organizar um trabalho de urbanização de favelas na prefeitura de São Paulo e também comandei todos os projetos de obras públicas do Estado de São Paulo durante a minha gestão na CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).
Já formado, iniciei profissionalmente na Construtora Adolpho Lindenberg e fui contratado pela USP para integrar um projeto de pesquisa – bancado pelo Governo Federal – cujo título era “Custos e alternativas de infraestruturas em cidades de porte médio”; um dos trabalhos mais bem idealizados do ponto de vista de quem o coordenou, o professor Juan Luis Mascaró, e a vice-coordenadora era a professora Lúcia Mascaró.
Esta pesquisa foi contratada para estudar como o Governo Federal deveria realizar os seus investimentos em infraestrutura, pois não havia um parâmetro de custos. O professor Juan idealizou uma metodologia de trabalho para estudar todas as redes públicas [água, esgoto, drenagem pluvial, pavimentação, iluminação pública e energia elétrica e gás] e tomou como referência seis cidades distintas de porte médio para extrair uma série de dados estatísticos. A partir disso, impôs determinações à equipe, da qual eu fazia parte, para estudar em modelo teórico os custos destas redes. Estudamos todas as variáveis de cada rede e criamos gráficos mostrando o que influi nos custos. Este é um trabalho brilhante que virou tese de livre docência dele.
Por ter me saído bem nesta pesquisa, Juan me convidou para trabalhar com a Lúcia em suas aulas na disciplina de iluminação. Em um mês, eu estava aprovado pela reitoria, aos 23 anos. Comecei ali minha carreira acadêmica em tempo parcial e permaneci na área por 38 anos, enquanto militava em outras atividades. Devo absolutamente tudo à Lúcia e ao Juan, o meu colocar de pé na iluminação. Se não fossem eles, nada teria acontecido. Por esta razão, eu os tenho em lembrança permanente.
Depois deste trabalho, fui convidado para comandar o programa de urbanização de favelas da Emurb, coordenando os projetos. Termino esta gestão de quatro anos enquanto continuo na área acadêmica, fazendo mestrado e dando aula. Saio do governo, abro uma pequena empresa de projeto e construção e faço uns 20 empreendimentos de alto padrão em Alphaville.
Ao assumir o Governo de São Paulo, Quércia queria impor uma tecnologia de construção mais avançada para ser a grande meta de realização do seu governo em termos de habitação. Nesse momento, sou convidado para trabalhar na CDH, que depois viraria CDHU, como gerente de projetos de tecnologia e normalização.
Durante uma apresentação para a diretoria da CDH, o Secretário de Habitação, para minha graça, gostou de mim e me promoveu a superintendente de planejamento habitacional. Como superintendente, o Quércia me designa para preparar um plano habitacional de 200 mil casas.
Eu era superintende de planejamento, mas queria ser transferido para a superintendência de projetos para gerenciar os projetos. Quando a CDH vira CDHU e assume todas as obras públicas do Estado, sou designado como superintende de projetos e monto uma equipe de 50 pessoas, que virou uma perfeita máquina de gerenciar projetos. Tudo nós analisávamos, tanto que falavam: “Deixa que, na revisão para entregar o projeto executivo, a equipe do Mingrone vai enxergar até vírgula”, e realmente era assim.
No período de quatro anos fizemos 250 projetos, entre eles o Teatro Oficina, o Teatro São Pedro, o Incor, o Teatro Araras – quando conheci o Niemeyer – além de mais de 200 escolas. De realização profissional, balanço em dizer qual dos trabalhos foi mais legal, o meu escritório atual ou essa experiência na CDHU.
Para finalizar, é de toda essa experiência que vem o conhecimento do todo. É o ar-condicionado, a estrutura, a hidráulica, porque essa experiência me fez compreender todas as disciplinas.
Você nota hoje mais interesse pela disciplina iluminação em seus alunos do que há alguns anos?
Tenho vários trabalhos acumulados da nossa disciplina de quarto ano, chamada “O projeto de iluminação no exercício da arquitetura”, e tive surpresas muito gratificantes neste período. Abríamos um debate para escolher o tema do semestre para equipe de três ou quatro alunos. Caso tenha sido decidido falar de hotéis, por exemplo, era preciso compor uma monografia sobre hotéis. Durante as aulas de atendimento, eu orientava sobre a bibliografia e o que deveria reunir a monografia, mas não no contexto limitado à luminotécnica, mas no entender a luz como a quarta dimensão do espaço. Não dá para achar que a luz seja apenas uma funcionalidade a mais; como o ar-condicionado, ela é muito mais, é a protagonista da própria arquitetura. Esse trabalho fazia com que os alunos enveredassem por uma pesquisa enorme em revistas, livros, documentos etc., e a parte documental era fazer um pequeno livro para apresentar ao fim do semestre. Era uma produção muito rica
Em segundo lugar, eu os fazia visitar três hotéis, desde que estivessem na categoria escolhida [três, quatro ou cinco estrelas], para perceber as funcionalidades, o nível de satisfação dos usuários daqueles espaços e entrevistá-los com base no questionário da Comissão Internacional de Iluminação. E mais, era preciso saber sobre a luz em nível quantitativo, por meio de um luxímetro.
Finalmente, ainda dentro do mesmo semestre, obrigava-os a ir a escritórios e obter as plantas e cortes de um quarto hotel, depois elegíamos dez ambientes para que eles realizassem os projetos executivos, com cálculos, renders, modelos, e tudo mais. Neste período, ainda visitávamos a fábrica ou o showroom de três fabricantes para que sentissem os produtos. Eram experiências riquíssimas, que geravam em mim uma satisfação enorme, resultando em profissionais como o Rafael Sanchez, gerente de projetos do meu escritório e que atuou por 11 anos na Osram; o Tadeu Menegatti, proprietário da Lightsource; e a Juliana Iwashita, da Exper Soluções Luminotécnicas.
Senti que nos últimos anos, no todo, não sei se por culpa do mercado, da formação das pessoas, do não direcionamento, da não objetividade, o nível não é mais o mesmo, e olha que posso dizer isso porque fiquei na USP por 38 anos. O nível caiu em qualidade, em interesse e intelectualmente, mesmo os alunos passando por aquele vestibular rigoroso.
Em 2013, o CAU lançou uma resolução que limita os projetos de iluminação aos arquitetos. Acredita que o arquiteto sai da faculdade pronto para desenvolver um bom projeto de iluminação?
Não tem condição nem formação para isso. E não adianta criar um curso de iluminação somente, é preciso que faça parte da arquitetura, como o paisagismo, a comunicação visual e etc. Porém, hoje, com a escassez de professores de formação refinada, precisaríamos ter pelo menos umas quatro ou cinco disciplinas invocando o tema durante os cinco anos do curso de Arquitetura. Normalmente, há somente uma e com tudo junto, acústica, térmica e iluminação. Não há base nenhuma, apenas a titulação, então o CAU está um pouco fora da realidade mercadológica e acadêmica.
Quais os caminhos que o profissional interessado em se tornar um especialista em iluminação deve percorrer?
Embora o nível de informação que se encontra na internet seja fabuloso, vejo que a busca é ainda desregrada ou pouco condizente com o atingimento dos objetivos. As pessoas ainda não sabem procurar ao extremo, o que gera leituras descompassadas.
Acredito que, hoje, o profissional ainda tem uma cota muito grande de autodidatismo. Ele precisa ler muito, instrumentar-se através de cursos, como os do IES. Fazer uma pós-graduação no exterior também é útil. Não vejo somente as salas de aula como depositário de conhecimento, acredito muito nos livros, nas revistas especializadas e nos próprios fabricantes que, diferentemente de outros setores, são depositários de informações maravilhosas.
Essas pesquisas precisam ser intensivas e constantes. Se o profissional não navega por todos os estandes da feira e pelos sites, não vai conquistar excelência. Todo profissional hoje tem que ter uma cota de devoção, de pesquisa e de leitura intensa.
Sobre os cursos especializados, não posso dizer como estão hoje. Sei que os cursos acadêmicos de graduação merecem uma implementação do número de cadeiras, porque não conseguimos abordar iluminação natural, artificial interior e exterior e metodologias de cálculo na totalidade. É preciso ampliar a carga horária para que o profissional saia habilitado.
O CAU precisa rever esta posição no sentido de provocar o MEC e as escolas para que implementem mais a disciplina porque a sustentabilidade e a energia estão na pauta de discussão.
Você acredita bastante no autodidatismo. Neste sentido, qual a importância de revistas especializadas no setor como a Lume Arquitetura?
Honrosamente, temos belas revistas nacionais e Lume Arquitetura se destaca entre elas. O Brasil é um exemplo, pois de uma forma ou de outra, uma grande herança está nos sendo deixada por estas publicações das quais vocês são protagonistas. É muito importante, e quem quiser precisa ir às entrelinhas. O profissional precisa estar antenado e sinto falta disso até em meu próprio escritório, às vezes.
O Mingrone Iluminação também participou de quase todas as ações da campanha “Contrate um Lighting Designer”, criada pela Lume Arquitetura. O quão importante é disseminar a profissão e a cultura do projeto de iluminação?
Acho muito importante. As associações, meios de comunicação e a divulgação publicitária de fabricantes, escritórios e produtos têm papel fundamental neste processo, que é dar consciência à população. Digo que se eu não fosse desse meio poderia imaginar que não existisse alguém que trabalhasse o projeto de iluminação. Ninguém nasce sabendo.
Acho um trabalho superdigno o que vocês fazem. É preciso que os técnicos de outras modalidades envolvidos no construir a cidade se conscientizem desta necessidade, pois eles são os grandes contratadores da profissão. Só rendo elogios a esta ação de vocês; é uma contribuição muito digna para o setor. Temos só que agradecer como profissionais.
Você é um dos fundadores da AsBAI. Acredita que o objetivo inicial da associação está sendo cumprido?
Seria injusto em tecer qualquer comentário, pois estou bem distante das ações da associação, mas gostaria de vê-la presente numa das metas que traçamos no início, de criar relações com o setor público para assegurar que o projeto de iluminação fosse uma obrigatoriedade junto às demais disciplinas quando da edificação de prédios públicos em geral. Esse seria um papel importante, assegurador de uma participação efetiva dos escritórios de iluminação enquanto ampliação do mercado de trabalho e daria maior consistência à própria realização do trabalho.
Outra iniciativa seria promover ações que agreguem mais os fabricantes, pois vejo a AsBAI como um elemento articulador. Lembro-me de perguntar para patrocinadores da associação se eles já haviam sido chamados para palestrar aos associados e a resposta era sempre negativa. Ou seja, um membro fabricante, patrocinador da instituição, nunca teve espaço para divulgar seus produtos aos associados. Meu Deus, isso é básico e vital. É preciso ter uma visão aberta, democrática e consciente. A Associação se pergunta mais o que eles podem fazer por nós do que o que nós podemos fazer para alavancar uma perspectiva mais refinada de trabalho.
Após conversas com o Paulo Scarazatto, fiz uma aproximação com a IES durante a Light+Building para saber como pode estender seus domínios do ponto de vista de associação prática e efetiva. Sugeri que pensem mais na América Latina, porque no momento que se cria um fórum do IES aqui, as coisas começam a ser vistas com mais critério. Como a IES abrange o Canadá e os Estados Unidos, por que não o Brasil?
São nestes tipos de ações que a associação deveria estar mais dinamizada. Assim como comecei com trabalho de pesquisa e aperfeiçoamento, a AsBAI precisa insertar isso, criando os instrumentos para aperfeiçoar os profissionais, como cursos e documentais. É preciso dar mais consistência ao projeto no sentido da formação embasadora; ser mais presente nas questões das normas técnicas; exigir dos órgãos como o Inmetro o respeito às normas; e articular-se mais com o CREA e o CAU.
Sei que trabalho de associação é duríssimo, mas falo como um esperançoso. Faço votos que a AsBAI levante algumas poucas teses e vá adiante até o fim. Não adianta abrir um enorme leque de ações e não tratar nada com prioridade.
Como vê as novas gerações de lighting designers?
Acho que o mercado é esse mesmo, as novas gerações têm que se pôr à frente porque o mundo é dos jovens. Não quero nem julgar qualidade, intensidade e volume de trabalho, mas prezo que sejam profissionais cada vez mais buscando a qualidade. Quem joga futebol precisa se espelhar no Messi, Neymar… É preciso se situar na excelência do saber, do criar e do se relacionar com o cliente. Faço votos que isso se amplie, pois mais profissionais de nível significa que o mercado está crescendo e pode ser disputado em melhores níveis.
O mercado brasileiro da construção civil sofreu um grande impacto nos últimos dois anos. O Mingrone Iluminação também teve diminuição no número de projetos?
No ano passado, o escritório cresceu; passamos a ter 38 colaboradores e alugamos mais um espaço no prédio. Porém, vejo 2018 com um pouco mais de restrições, pois houve uma pequena diminuição no número de propostas.
Sinto que as incorporadoras diminuíram o ritmo, mas, como o escritório atua em diversos segmentos, notamos que outros despontaram. As escolas e hospitais foram surpresas para nós; algumas redes de supermercados começam a se renovar para disputar uma concorrência em nível mais elevado; e o de residências de alto padrão também recebeu uma alavancagem no primeiro trimestre.
Sei que a indústria de iluminação está bastante ressentida, ainda, neste início de ano, com muitos orçamentos e poucos pedidos efetivados para dar fluidez às folhas de pagamento e às matérias primas; estão todos respirando fundo. A situação ainda é de preocupação, ansiedade e expectativa, uma vez que não estamos navegando numa situação tranquila. Há uma grande interrogação, mas sinto que o país como um todo está melhorando, pondo-se a fazer.
*A entrevista, concedida a Erlei Gobi, foi publicada na edição 91 da revista LUME ARQUITETURA